O 11 de outubro de 1990 os jovens independentistas galegos, José Inácio Vilhar Regueiro e Dolores Castro Lamas falecêrom no transcurso de umha acçom armada protagonizada polo Exército Guerrilheiro do Povo Galego Ceive.
Desde começos de século, os/as arredistas galegos/as temos erigido esta data para comemorar a lucidez, a coragem e a deterninaçom de tantos/as galegos/as que ao longo da história tenhem enfrentado o Estado opressor espanhol, transgredido e desobedecido as suas leis e desafiado o seu monopólio da violência.
Umha história que longe de tópicos e estereótipos, estivo fortemente marcada pola conflituosidade frente a um Estado espanhol contemporáneo em constante consolidaçom e cada vez mais presente e controlador da nossa vida quotidiana.
A conflituosidade foi um dos recursos tradicionalmente empregados na Galiza polas comunidades populares para defender o território e manter espaços de poder: assaltos e levantamentos da povoaçom, queima de máquinas, destruiçom de infraestruturas, enfrentamentos com os corpos repressivos do Estado… até a resistência armada anti-franquista durante mais de vinte anos e a partir de mediados dos anos setenta do século vinte o combate de organizaçons armadas independentistas pola defesa da Terra, cuja impronta se prolonga até hoje com a existência dos/as presos e presas da resistência galega nos cárceres espanhóis.
Mas tampouco podemos esquecer toda essa fecundíssima experiência histórica galega de “resistência quotidiana” como foram as fraudes fiscais, o impago de rendas, as insubordinações contra os aparelhos fiscais e judiciais das elites tradicionais, contra o sistema tributário, contra as formas de recrutamento militar (em vários momentos históricos), a legislaçom florestal, a quota empresarial agrária, etc.
Foram todas elas dirigidas –é certo– nom a derrocar a ordem estabelecida senom a tecer comunidade de resistência, defendendo modos de vida e assegurando a manutençom das suas lógicas reprodutivas minimizando os aspectos mais anuladores do sistema colonialista espanhol. Formas de loita que também tenhem mostrado a sua enorme valia no percurso histórico para enfrentar a extensom do poder do estado espanhol na Galiza.
O imaginário esquerdista tem estado nom poucas vezes colonizado polo formato da espectacularidade do “Dia D” e hoje pola hipervisibilidade propiciada polas plataformas sociais digitais, o que nom ajuda a implementar projetos pacientes, demorados, e consistentes de combate e resistência. Porque na existência diária de um Povo há sempre um conjunto de rotinas de resistência que permitem ganhar a vida, mantendo o controlo sobre o território, as dinámicas de organizaçom coletiva e umha mais que necessária autonomia moral e ideológica. Condições, aliás, para verdadeiros processos estruturais de desmontagem do Estado e do Capitalismo e a emergência de verdadeiras instituições nacionais soberanas.
Todas estas dinámicas de conflito-reivindicaçom e combate estiveram historicamente ligadas a um tradicional entramado comunitário. Sem produzir, reconstruir ou reabilitar algo parecido a isto, hoje tam precário e ameaçado, nom será possível continuar a manter a canle histórica de combate e resistência popular que tanto nos orgulhece e da que os presos e as presas da resistência galega somos umha parte importante.
Porque só desde estes espaços de comunidade, organizaçom e compromisso irmandinho é possível sustentar o necessário sentido de transcendência capaz de alimentar sacrifícios, actor de generosidade e comportamentos valentes e solidários. O contrário já o conhecemos: o triunfo aplastante da conceiçom burguesa da vida, cujo significado histórico é precisamente o de umha forma de vida nom determinada polas relações com a Terra (e nom apenas no sentido material).
A reatualizaçom das formas de conflituosidade e a impronta da memória coletiva como estruturante das escolhas no relativo aos modos e maneiras de atuar som o cerne disso que conhecemos como “cultura de resistência” que nos remete sempre para práticas de autodefesa, desobediência e contrapoder. Dizia Vicente Risco –com acerto– que o futuro ao que se tende estriba no passado radical onde se procede. Trata-se, pois, de um futuro chamado a realizar-se. Para quem o queira entender melhor assim o expressava, sem circunlóquios, o velho kemperi, um dos últimos chamáns jaguar dos huaorani, na selva do leste do Equador. De jovem, somou-se ao grupo de guerreiros que emboscou e matou vários empregados da Shell na década de 1940 (o equivalente ao nosso Iberdrola, Naturgy ou Greenalia atuais). Doze operários perderam a vida a maos de guerreiros indígenas. Posteriormente a companhia deixou de operar nessa zona. Um dia perguntaram-lhe: “E se volvem os homens de capacete e uniforme?” Se volvem matamo-los –contestou com total normalidade– aqui faremos o que nos ensinaram os nossos pais e os nossos avôs.
Irmaos, irmás, levamos já quase cinquenta anos baixo uma “democracia” parlamentar espanhola convertida em arma de destruiçom massiva para a nossa Naçom. O Estado espanhol tem-nos provocado umha crise territorial, existencial e identitária sem precedentes. Um estado de sítio onde a utopia sant-simoniana decimonónica da ditadura dos engenheiros e tecnócratas acabou fazendo-se realidade.
O projeto histórico das elites espanholas continua o seu caminhar demoledor no nosso país, renovado e atualizado desde os anos 60-70 pola ideologia do atraso como justificadora da “modernizaçom” e o “progresso”. Umha ideologia capaz de legitimar historicamente o sacrifício de toda umha Naçom, convertendo a nossa Terra numha mina a céu aberto, num macro-parque industrial ou num gigantesco parador turístico. Religiom supremacista, ópio do Povo, verdadeiro misticismo político ou fé capaz de justificar –na sua vertente ideológica– quase qualquer comportamento humano, como na vertente aplicada serve para destruir a vida em todas as suas manifestações.
Em poucas décadas o “imperativo do progresso” –cujo fundamento último é a eliminaçom de qualquer barreira ética ao conhecimento e poder dos homens– tem gerado umha pressom e uns efeitos mais devastadores que toda a obediência e indolência acumuladas.
Os slogans “avançados” dos anos sessenta e setenta: “desenvolvimentos”, “qualidade de vida”, “libertaçom pessoal”, ou “inestabilidade democrática do consumo geral”… som hoje o combustível ideológico que alimenta o arrasamento de territórios e comunidades humanas. Igual que hoje certo consenso progressista aplaude a era do consumo “online” e do smartphone como um dos dispositivos mais democratizadores jamais criados, teriam aplaudido a iniciativa bem sucedida de Fraga Iribarne, nos anos sessenta-setenta do século passado, de potenciar ao máximo na Galiza a criaçom de teleclubes, auténticas redes de penetraçom capilar de Televisom sobre todo o mundo rural graças à sua funçom coletiva em espaços comunais.
Nom o esqueçamos, o sistema de poder vem atuando, desde há muito tempo de forma radicalmente mais redutora e permissiva, anestesiando-nos para a percepçom da mesma realidade, incapacitando-nos para ver a tragédia das nossas vidas e invisibilizando todo conflito. A violência que padecemos é umha violência estrutural exercida sobre nós mesmo quando o Estado nos permite votar cada quatro anos ou nos deleita com um punhado de leis protetoras da natureza.
Este é o grande desafio como que os/as combatentes galegos/as vimos lidando os últimos quarenta e cinco anos, enfrentando um Estado capitalista espanhol que nom pode manter-se sem as suas soluções espaciais. De contínuo tem de botar mao de reorganizações físicas e materiais procurando nelas soluções parciais às suas crises e pontos mortos num processo imparável e paranoico de devoraçom do nosso território para a sua própria dinâmica de acumulaçom.
O nosso combate, a nossa defesa da Terra, é a impugnaçom mais decidida deste processo comandado pelo capital, o Estado, as suas elites, as suas instituições e os partidos do régime. Um processo de crescimento económico, acumulaçom de capital, destruiçom da Natureza e esterilizaçom social e cultural.
A defesa da Terra tem sido em origem a base de articulaçom dos projetos políticos do nacionalismo galego e seguirá a ser a força do pensamento arredista desde o qual construir projetos emancipadores. Projetos combativos que nom devem perder a perspectiva das transformaçons civilizadoras fundamentais, traduzidos em intervenções radicais nos seus condicionantes políticos, sócio-económicos e culturais.
Sabemos organizar-nos e combater, e sabemos que o podemos fazer relativamente bem e de forma dilatada no tempo. A precariedade atual nom é maior que em 1973, 1983 ou 1993. em distintos contextos fomos quem de organizar-nos e conformar movimentos sócio-políticos de enorme valia. Partimos do que somos e do que temos, e da imensa experiência (pensamento e prática) acumulada durante décadas de loita, e sabemos também que em momentos de relativa febleza é impossível fazê-lo tudo ao mesmo tempo. Há que concentrar esforços, fazer bom uso dos recursos limitados, ser fieis aos conceitos guerrilheiro da flexibilidade e nom afastar-se nunca da Terra. Sem esquecermos que quando a loita deixa de estar fundamentada na concórdia e elevaçom de espírito e orientada em estratégias-projetos claros e ações concretas, as coletividades caem em estados morbosos que rematam sempre em processos auto-destrutivos.
Estamos assistindo já a um desses momentos críticos nos que os fundamentos naturais, sociais e identitários da nossa Naçom estám sendo assaltados de forma irremediável, alcançando um ponto de nom retorno. Os próximos combates vam-se a dar aqui, neste cenário de ataques depredatórios sem precedentes, e descomposiçom do que nos fica da trama social tradicional, consubstanciais à presente fase de capitalismo terminal.
Nom há escolha, ou resistência ou barbárie. Irmaos, irmás, nos conflitos onde questões vitais estám em jogo, a resistência –nom as concessões– é o essencial. E toda resistência no caminho da Terra, a liberdade e o amor à Vida nom se fará sem esforço nem sem loita.
Viva Galiza Ceive!
Denantes mortos que escravos!
CPIG 11 de outubro de 2023.