CPIG emite comunicado ante o Dia da Galiza Combatente

Como é costume, ante a proximidade do Dia da Galiza Combatente (que se celebra no 11 de Outubro), o Coletivo de Presos/as Independentistas Galegos/as emitiu um extenso comunicado no que analisa a situaçom do país e os reptos estratégicos para o arredismo. O coletivo de prisionairos/as fai referência ao próximo juízo que enfrentarám Antom Garcia Matos e Asunción Losada Camba, e relaciona o ensanhamento repressivo de Espanha com a abertura dum ciclo de transformaçom do capitalismo que levará aparelhadas fortes respostas sociais e um aprofundamento do autoritarismo de Estado. Para o CPIG, as luitas em defesa do território -germolo fundacional do nacionalismo contemporáneo- volverám ser o centro estratégico dos movimentos que defendam a sobrevivência da Galiza e a oposiçom ao novo “capitalismo verde”, com um forte componente extrativista e desenvolvementista.


O comunicado íntegro pode ser lido a continuaçom, ou descarregado em pdf aqui.

Dia da Galiza Combatente: A Defesa da Terra não é delito

Este Dia da Galiza Combatente está marcado pelo último juízo contra militantes da resistência galega. Mais de vinte anos após o início das atividades da resistência, no 15, 16 e 17 de Outubro, Asunción Losada Camba e Antom Garcia Matos volverão ser julgados na Audiência Nacional espanhola, acusados de ordenar o ataque com explosivos contra a Casa Consistorial do Concelho de Baralha, ocupado pelo Partido Popular. O Tribunal especial espanhol pede contra cada um 15 anos de cárcere.

A começos de Outubro de 2014 um potente artefato causou importantes destroços no edifício deste Concelho, ficando totalmente inoperativo durante meses. Por estes factos foi detido, julgado e condenado a 7 anos de prisão o independentista galego Raul Agulheiro Cartoi, por delitos de integração em “organização terrorista”, depósito de artefatos explosivos e danos materiais. Este ataque enquadrou-se na campanha que a resistência galega vinha despregando desde começos do século contra os principais Partidos-Estado do regime de ocupação: o Partido Popular e o Partido Socialista Obrero Español. As suas sedes foram alvo de numerosos ataques da resistência galega. Um ano antes, em Outubro de 2013, outra bomba tinha destruído o edifício do Concelho de Beade, governado também pelo Partido Popular. Tanto em Beade como em Baralha os seus alcaldes do PP tinham destacado pelo seu filo-franquismo explícito e praticante. O conhecido alcalde franquista de Beade, Senén Pousa Soto, tinha-se gabado em reiteradas ocasiões de exibir no seu despacho consistorial o retrato de Franco, celebrando até uma missa anual na honra do ditador. Trás o ataque da resistência galega, quando mais de um ano depois o edifício volveu estar funcional, o alcalde retiraria o retrato. O alcalde de Baralha, numa linha semelhante, tinha defendido publicamente a repressão franquista na Galiza, de tão triste e dramático recordo para o nosso povo. Este é o contexto no que se enquadra a ação armada de Baralha, que hoje, dez anos depois, volve ser atualidade pelo julgamento dos nossos irmãos. Referir, aliás, que para o nacionalismo galego os Concelhos atuais nunca foram instituições legítimas de autogoverno local, mas demarcações de descentralização administrativa surgidas do projeto imperial e colonialista espanhol para desestruturar, desnacionalizar e controlar territorialmente a nossa Nação.

Assum e Matos foram detidos em Vigo em Junho de 2019. Levam mais de 5 anos em prisão (Soto del Real, Estremera, a Lama, Teixeiro e Pereiro de Aguiar), três deles em 1º grau. Em Janeiro de 2022 foram já condenados em firme a 28 anos de cadeia, acusados de vários delitos de pertença a “organização terrorista”, depósito de explosivos, posse de armas e falsificação de documentos oficiais. No momento da sua detenção levavam 13 anos na clandestinidade, pesando sobre eles uma ordem internacional de busca e captura. No cárcere incorporaram-se ao Coletivo de Presos/as Independentistas Galegos/as (CPIG). São retaliados políticos, consequência da existência de um conflito político na Galiza que se tem manifestado historicamente baixo diferentes iniciativas organizativas e respostas políticas, sociais e culturais. Uma delas foi, durante as duas últimas décadas, a resistência galega. As suas duras condenas de cárcere querem ser exemplarizantes e intimidatórias para todo o nacionalismo galego, e isto não podemos admiti-lo.


O cenário que enfrentamos como povo

A resistência galega tem-se referido em numerosas ocasiões ao estado de excepção democrático na Galiza, regime político, social e econômico que tem denunciado e combatido o melhor que pôde durante o tempo que as circunstâncias o fizeram possível. Hoje já há quem se atreve pelo menos a falar abertamente de um “estado de excepção ambiental”. É um avanço. O tempo e os factos vão-nos dando a razão. O quadro político-econômico que temos denunciado e combatido durante várias décadas não faz mais que agrandar-se, fazendo-se cada vez mais inabordável desde a precariedade organizativa e analítica que manejamos e os métodos de intervenção social que estamos despregando.

Os novos combates, inevitavelmente, volverão dar-se aqui, revestindo mais dramatismo ante a profunda desordem psíquica coletiva, o narcisismo ensimesmado, tudo tipo de fantasias individualistas filhas do construtivismo pós-moderno, e uma vez que -agora sim- é possível decretar o fim do nosso mundo tradicional, com as suas velhas bases comunitárias e institucionais sobre as que as pessoas podiam exercer a sua influência na sociedade e articular medidas de resistência.
Ainda não somos plenamente conscientes do que nos aguarda, baixo o que nós chamamos utopia de reconstrução ecológica da civilização industrial e de progresso capitalista. Falamos talvez do maior ciclo de gasto em capital que vai viver a humanidade em toda a sua história e de uma nova concentração de poder e de capital sem precedentes. E tudo isto significa enormes quantidades de recursos (a geoestratégia de recursos essenciais, desde as matérias-primas estratégicas, metais, fontes de energia e trabalho submisso e qualificado) e um controlo absoluto da população. Tudo galvanizado pela crise dos preços da energia desencadeada trás o início da guerra na Ucrânia, acelerado pela grande recessão provocada pela pandemia de 2020-2022 e marcado pelos limites ecológicos da própria reprodução do sistema. Mais uma vez, a economia de guerra volve-se o eixo central da ofensiva do capital sobre a nossa Nação, num novo ciclo de acumulação na economia global. E mais outra vez a nossa Terra, se não o remediarmos a tempo, será sacrificada no altar das razões do progresso e o crescimento econômico.

Após a Guerra Civil, o Estado espanhol apropriou-se das fontes de energia primária da nossa Terra para produzir energia elétrica, apremiado pelo programa modernizador e a obsessão pela sua autonomia energética. Então FENOSA e Saltos do Sil levantaram de uma tacada até 39 muros de contenção dos nossos rios em apenas 20 anos (desde o encoro das Conchas, em 1948, até o de Alvarelhos, em 1972). Hoje, uma réplica daquela desfeita , multiplicada por dez, está-nos a impactar já, neste caso baixo a consigna da soberania estratégica da Europa (especialmente da sua independência energética) num contexto de conflitos geoestratégicos nos quais o capitalismo europeu quer assegurar a sua posição num novo paradigma chamado “verde”, da mão de uma nova expansão industrial centralizada como oportunidade histórica para ter toda a cadeia de produção de valor na Europa (autonomia industrial e produtiva). Enfrentamos um novo neocolonialismo, travestido de “transição verde” e em boa medida pilotado por elites transnacionais e fundos de investimento globais. Transição que, na realidade, são duas: transição energética e transição digital. Ambas as duas “necessárias” e complementares para a reconstrução “ecológica” da civilização industrial de progresso.

Há dois pontos fulcrais deste processo. Primeiro: a tecnocracia desde finais do século XX erige-se na forma organizativa que controla de modo abrumador o processo de acumulação de poder; um modelo sócio-político que trata de substituir a dialética de classes, identitária e territorial pela concorrência na cúspide do poder de uma pluralidade de elites. É tal a importância que se lhe está a conceder a que a tecnologia entre nos processos industriais, que mesmo desde as instituições públicas o têm convertido numa prioridade estratégica para a economia digital. O desenvolvimento tecnológico marca a decadência da civilização capitalista, não a sua plenitude, e em boa medida a sua aplicação maciça debilita a resistência tradicional dos/as trabalhadores/as. Segundo: a digitalização, ademais de ser um contundente anestesiante social de 1ª ordem, é acaparadora de recursos hídricos e minerais, e acelerará de forma exponencial o consumo energético. Difuminará, também, as fronteiras entre os setores e as indústrias tradicionais, acelerando a reconfiguraçao de toda a cadeia de valor.

O conflito entre as grandes empresas de gestão de dados e as populações locais será inevitável. Google já negocia para instalar-se na Noruega com o objectivo de que o seu centro de dados se beneficie do 50% da energia gerada nesse país. Chile negou recentemente à Google a instalação de um centro de dados na capital, Santiago, porque as suas máquinas utilizariam diariamente 7 milhões de litros de água! Amazon negocia em Pensilvânia (USA) com uma central nuclear para instalar o seu centro de cálculo ao seu carão, de modo a garantir a enorme quantidade de energia que precisará. Não há reconstrução e transição à escala da que estamos a falar e baixo os parâmetros ideológicos do capital sem minaria maciça, sem metalurgia, recursos naturais, ocupação e destruição territorial, controlo da população, industrialização selvagem e uma nova concentração de poder e de capital. Energias renováveis (e o sonho de convertê-las no petróleo galego do século XXI), recursos hídricos abundantes, extração de minerais raros, hidrogênio verde (necessitam-se entre 60 e 90 litros de água para produzir 1 kg de hidrogênio e para cobrir outras necessidades derivadas do processo industrial, como as refrigerações), monocultivos agrícola-florestais e turistificação total serão os ginetes do novo neocolonialismo, a reproduzir as mesmas práticas extrativistas, colonizadoras e espanholizantes de toda a vida e que tão bem conhecemos na Galiza. Sem esquecer que o sistema nem sequer é capaz de formular qualquer alternativa às enormes quantidades de energia fóssil requeridas para a fabricação dos quatro ingredientes básicos da atual civilização: cimento, aço, plásticos e amoníaco (imprescindível, este último, para os fertilizantes nitrogenados do complexo agroindustrial).

Defender a Galiza da sua destruição programada

A UE deve e pode falar a linguagem do poder”, exclamava Josep Borrell em 2019 trás o seu nomeamento como alto representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. Como se não o tivesse feito até hoje! O novidoso é que agora ligava abertamente as capacidades tradicionais militares de defesa às suas capacidades econômico-industriais estratégicas, e estas à garantia do subministro de recursos essenciais e à Transição Verde. Já há sobre a mesa uma proposta para assegurar que 10% da minaria de metais críticos esteja na UE. Este quadro é o que nos permite entender de forma cabal a terrível ofensiva que os sátrapas dos Partidos-Estado espanhóis na Galiza estão dispostos a levar a cabo. “Não vou tolerar que não se explorem os recursos mineiros existentes em território galego”, sentenciou Rueda. “Chegou o momento de reindustrializar sobre as energias verdes”, assegurava a Conselheira de Economia e Indústria na apresentação de um projeto de lei que estabelece profundas modificações na regulação das energias renováveis, da minaria e da concessão de águas para as iniciativas empresariais.

O entramado jurídico-político a escala galega que está a sustentar todo este edifício é bem conhecido: nova lei de administração ambiental simplificada; lei de recursos naturais; lei galega que regula os projetos industriais estratégicos (como o que permite a instalação de Altri); a sociedade Recursos de Galicia(participada pelo governo galego e até 30 empresas privadas) que baixo o lema “Galiza verde e energeticamente autônoma” está preparada para impulsar e agilizar todo tipo de projetos de geração energética “verde”, aproveitamento da riqueza mineira ou iniciativas que requiram concessões de águas; plano de desenvolvimento de direitos mineiros, que examinará até 200 direitos para minaria de permissos de exploração e concessões que estão caducados; planos de aceleração industrial; polos industriais verdes…etc, etc.

O “projeto industrial estratégico” de Altri é apenas o aperitivo de como a máfia garimpeira apostará forte na Galiza, terra pretendidamente pacificada e rendida ao aparelho político-eleitoral espanhol. A mobilização popular e a transcendental manifestação em Palas de Rei são já um fito histórico, independentemente do desenlace final, ao nível doutros protestos e levantamentos populares marcados para sempre na longa luta das/os galegas/os pela defesa da Terra. Como o assalto popular e queima das máquinas da fábrica do futuro marquês de Sargadelos em 1798 pela ocupação dos montes comunais e o intento d exploração dos/as camponeses; a queima em 1812 de fábricas e destruição de redes e barcos na ria de Muros e Noia pertencentes a industriais catalães, contra o processo de proletarização e irrupção de novas fórmulas empresariais de corte capitalista; o levantamento popular em Tebra, Tui (1896) contra a construção de uma das primeiras centrais elétricas na Galiza; o levantamento popular em Castrelo de Minho (1964-1967) contra a construção da barragem sobre o rio Minho a mãos de FENOSA; os enfrentamentos com a Guarda Civil nas Encrovas durante os protestos populares contra a central térmica que FENOSA construía em Meirama nos anos ‘70; protestos e histórica manifestação contra o projeto da central nuclear de Regodela (Jove, 1974-1979)…, e assim um digno listado de atos de resistência ativa.

Irmãos, irmãs, nunca um povo teve vitórias significativas apenas procurando consensos com as forças de poder negadoras da sua organização e forma de vida. A singularidade atual estriba em que entraremos numa nova fase de acumulação cada vez mais “militarizada”, com não poucas analogias com o sucedido na pós-guerra no nosso país. Não é uma hipérbole. A economia de guerra num cenário de crise (ou multi-crises) e colapso (conflitos bélicos, limites ecossistêmicos, pico do petróleo…), será o eixo central da acumulação na economia global, e dará pé a que se desenvolva uma cultura política cada vez mais autoritária. O mesmo facto da extrema paranoia securitária da sociedade atual, corresponde-se já com um capitalismo de guerra. Neste contexto, isso da “soberania do povo” terá cada vez mais um valor muito relativo. O “Estado de direito”, na linha do atual processo de expansão da legislação punitiva, converterá-se aceleradamente num direito penal preventivo (que já se ensaia abertamente contra a pretendida ameaça islamista), e uma arma de guerra contra as populações que se levantem em defesa do território e a sobrevivência do que fique das suas comunidades reconstruídas. De um dia para outro converterão-nos a todos em perigosos ecoterroristas.

Não há democracia quando não se defende o direito à Terra e à Vida. Um direito que será a bandeira sagrada do povo trabalhador galego frente o espanholismo, a burguesia transumanista e o capitalismo decrépito. Em consequência, como tem reclamado alguma ativista, necessitamos um discurso e umas formas de luta pensados como pertencendo a um tempo de guerra. Isto não é uma questão de consciência, é mesmo uma questão de poder, e se é uma questão de poder temos que ganhá-la pelas nossas próprias mãos. Ante tal desafio nenhuma alavanca deve ser negligenciada. A luta é o único caminho.

Hoje estão-se sentando as bases do que serão as lutas do futuro. Vai-nos levar alguns anos entender tudo o que se está a passar e volver a conformar uma nova comunidade de resistência. O importante é roçar um caminho, estabelecer um sentido. Consta-nos que o melhor do nosso povo (e, por extensão, o melhor da humanidade) anda também nesse processo. Nós somos parte desta narrativa, deste sentido. Somos os combatentes pela defesa da Terra”

III Congresso da resistência galega. Primavera de 2017

Viva Galiza Ceive! Denantes mortos que escravos!

Coletivo de Presos/as Independentistas Galegos/as (CPIG) / 11 de Outubro de 2024. Dia da Galiza Combatente